O esforço de dois milhões de pessoas que conseguiram aprovar um projeto moralizador da vida política valerá nas eleições deste ano ou só daqui a dois anos, consequência de um frustrante adiamento determinado pelo Supremo Tribunal Federal? A partir do caso do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC), que renunciou ao mandato no Senado para não ser cassado, o STF definirá se as regras de inelegibilidade impostas pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) valerão ou não para as eleições deste ano. Tudo indica que o placar da decisão judicial mais esperada do ano será apertado. Advogados com trânsito no Supremo, especialistas em direito constitucional e ministros apontam, porém, que os integrantes da corte caminham para afastar a aplicação das novas regras de inelegibilidade para as eleições de outubro.
Segundo os juristas ouvidos pela reportagem, o placar mais provável de ocorrer é o de seis votos favoráveis ao recurso de Roriz, com quatro ministros negando a candidatura dele. O ex-governador do DF tenta seu quinto mandato à frente do poder Executivo local. Ele foi barrado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por conta da renúncia ao mandato de senador, em 2007, para escapar de um processo por quebra de decoro parlamentar.
Em princípio, são apontados como votos contrários à aplicação da ficha limpa em 2010 os ministros Marco Aurélio Mello, José Dias Toffoli, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente do STF, Cezar Peluso. Já o relator do caso, Carlos Ayres Britto, o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa se posicionarão a favor das novas regras de inelegibilidade.
Dos dez ministros, quatro já se manifestaram publicamente sobre a lei. Lewandowski, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello participaram de julgamentos envolvendo a Lei da Ficha Limpa no TSE. Os dois primeiros entendem que as regras não alteram o processo eleitoral. Por conta disso, pode ser aplicada em 2010 sem confrontar o artigo 16 da Constituição Federal. A Carta Magna estabelece o princípio da anualidade para leis que alterem o processo eleitoral.
Já Marco Aurélio Mello entende que o processo eleitoral começa um ano antes do pleito. Este é o limite para as pessoas se filiarem a um partido político e poderem se candidatar. Nos julgamentos no TSE, a postura do ministro foi vencida na análise de duas consultas e de quatro casos concretos. Entre eles o de Roriz. Outro que se manifestou publicamente foi Toffoli. Ao conceder uma liminar a uma candidata a deputada estadual em Goiás, ele disse que a lei merecia ser analisada pela ótica da Constituição.
Os seis restantes não se manifestaram sobre a Lei da Ficha Limpa. Porém, pela postura em outros casos, são dados como votos certos. Celso de Mello, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes não se manifestaram diretamente sobre a lei, mas são considerados votos certos para os dois lados. Barbosa e Ayres Britto, por terem negado liminares no Supremo para suspender condenações, são tidos como votos favoráveis à norma. Já Celso de Mello e Mendes são, na teoria, contrários à ficha limpa por conta de aspectos constitucionais.
As dúvidas recaem sobre os votos do presidente do STF e de Ellen Gracie, que ainda são tratados como incógnitas. No entanto, cresceu durante a tarde de ontem a versão de que os dois votarão a favor do recurso de Roriz. A posição de Peluso, admitem interlocutores, ainda não está completamente formada, mas caminha para ser contrária à ficha limpa. Caso os ministros declarem que as novas regras só valem para 2012, volta a valer a antiga redação da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90), que foi atualizada pela LC 135/10.
Decisão política
Nada disso, porém, pode ainda ser dado como certo. Por conta da pressão da sociedade, já que a ficha limpa é uma lei de iniciativa popular e pesquisa do Ipobe revelou que 85% dos eleitores brasileiros são favoráveis à regra, há os que acreditam que a decisão poderá ser política. Os integrantes do Supremo devem aceitar apenas um dos quatro argumentos apresentados pela defesa de Joaquim Roriz. Dessa maneira, ao decidir que as novas regras valem apenas para 2012, os ministros deixarão a ficha limpa na íntegra para as próximas eleições.
A defesa de Roriz elenca quatro argumentos para tentar reverter a posição tomada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF), que mais tarde foi confirmada pelo TSE. Primeiro, os advogados do ex-governador afirmam que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada nas eleições de outubro.
A defesa argumenta também que a renúncia de Roriz ao mandato de senador, em 2007, configurou um "ato jurídico perfeito", protegido pela Constituição Federal e, por isso, não pode ser causa de inelegibilidade.
Em outro ponto, argumenta que a Lei da Ficha Limpa viola o princípio da presunção de inocência e também caracteriza um abuso do poder de legislar ao estipular um prazo de inelegibilidade que ofende o princípio constitucional da proporcionalidade. Por fim, sustenta que o indeferimento do seu registro de candidatura afronta o princípio do devido processo legal também previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
Hipótese favorável
Apesar de a maioria acreditar em um julgamento contrário à ficha limpa, os especialistas ouvidos pelo site afirmam que o caso é polêmico. Por conta disso, uma virada não é descartada. No caso, o resultado mais favorável seria o empate em cinco votos para cada lado. Porém, da igualdade surge uma outra controvérsia. E ela reside no regimento interno do Supremo.
O artigo 13 do regimento prevê, entre outras atribuições do presidente, proferir voto de qualidade nas decisões do plenário. Como desde o mês passado o STF está com um ministro a menos na sua composição por conta da aposentadoria de Eros Grau, o julgamento pode terminar empatado. Aí entraria o voto de Cezar Peluso. No entanto, juristas ouvidos pelo site não acreditam que o Supremo aceitaria o risco de tomar uma decisão importante com o voto de qualidade.
“Ficaria uma situação desconfortável para os ministros e para o Supremo”, opinou o professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Cristiano Paixão. Inclusive, na visão do especialista, poderia abrir caminho para se contestar a legitimidade da decisão. Para ele, o TSE tomou a decisão correta ao entender que a ficha limpa vale para outubro. Porém, admite que as novas regras são polêmicas. Por conta disso, a interpretação de que a norma deve respeitar o princípio da anualidade é “razoável”.
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, apontou para uma outra possibilidade. Apesar de não se manifestar sobre o mérito do recurso de Roriz, ele afasta a possibilidade de o voto de qualidade de Peluso ser usado. “Em caso de empate, prevalece o interesse da sociedade. E, nesse caso, a sociedade é a maior interessada. Portanto, será preciso maioria dos votos para derrubar a Lei”, afirmou ao site.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, seria "uma frustração" o STF declarar inconstitucional a Lei da Ficha Limpa. "Não há outra expectativa a não ser a de que o Supremo decida no mesmo sentido que as duas casas do Legislativo - Câmara e Senado - e o Tribunal Superior Eleitoral. Não podemos desconhecer que será uma frustração nacional se essa Lei desaparecer por meio de uma decisão judicial, se for julgada inconstitucional", disse.
Do site Congresso em Foco
Nenhum comentário:
Postar um comentário