A legislação fecha os olhos aos benefícios que o acessório proporciona e desobriga o seu uso pelos passageiros. A exceção são os coletivos que operam linhas interestaduais. O fato de o cinto reduzir em mais de 90% as chances de morte no banco dianteiro e em 80% no assento traseiro ainda é pouco para mudar o pensamento dos legisladores brasileiros. Sem a obrigação legal e a consequente multa no caso de descumprimento, a população evita o uso em sua grande maioria.
A legislação desobriga o transporte público a usar o cinto quando permite que passageiros sejam transportados em pé, o que aumenta ainda mais o risco de ferimentos em caso de acidentes. O critério não leva em conta se o veículo trafega numa estrada, por exemplo.
O fato de o cinto reduzir em mais de 90% as chances de morte no banco dianteiro e em 80% no assento traseiro ainda é pouco para mudar o pensamento dos legisladores brasileiros.
A resolução 14/98 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) apenas determina, no seu Artigo 2º, inciso IV, que o cinto de segurança deixa de ser obrigatório quando: 1) para os passageiros, nos ônibus e microônibus produzidos até 1º de janeiro de 1999; 2) até 1º de janeiro de 1999, para o condutor e tripulantes, nos ônibus e microônibus; 3) para os veículos destinados ao transporte de passageiros, em percurso que seja permitido viajar em pé.
É aí que está o problema. Os Estados costumam assinar decretos autorizando as linhas intermunicipais a transportarem passageiros em pé de acordo com o percurso de cada uma. Ao liberarem a pessoa em pé, eles automaticamente isentam a operadora a cobrar o uso do cinto e, até, a possuir o equipamento nos veículos.
Na prática, o que acontece, pelo menos em Pernambuco, é o seguinte: se você viajar de ônibus do Recife ao município de Petrolina, a 800 quilômetros da capital, no Sertão pernambucano, não precisa usar cinto. Mas, se a viagem for do Recife para João Pessoa, numa distância de 120 quilômetros, o uso do equipamento é obrigatório. Vejam o absurdo.
O Decreto Estadual de número 22.616 de 2000, que regulamenta as viagens intermunicipais, atesta esse equívoco. Determina que as linhas com até 35 km de percurso podem levar 30 pessoas em pé; com até 80 km, são 25 em pé; até 150 km, são 20; até 250 km são 18; e acima 250 km, podem levar 5 pessoas em pé nos veículos.
Apenas as linhas interestaduais não permitem o transporte de passageiros em pé e, consequentemente, são obrigadas a oferecer os cintos nos veículos e os passageiros, a utilizá-los.
FISCALIZAÇÃO É FALHA
Para aumentar ainda mais a indiferença da lei ao cinto de segurança, a fiscalização do uso do equipamento é praticamente inexistente. Nos ônibus de viagem, tanto intermunicipais quanto interestaduais, é fato que raramente eles são parados nas estradas. Quando isso acontece, é verificado apenas os documentos do veículo e do condutor. No caso das linhas interestaduais, dificilmente um agente de trânsito entra no veículo para conferir o uso do cinto. A própria Polícia Rodoviária Federal (PRF), responsável por fiscalizar as linhas interestaduais, reconhece isso. Assessor de comunicação da instituição, o inspetor Éder Rommel lembra que as pessoas têm a ilusão de que estão protegidas num coletivo. Mas é o oposto. “O espaço nos ônibus é maior, os passageiros ficam mais soltos. No caso de uma batida, queda ou capotamento, por exemplo, as pessoas são lançadas de um lado para o outro. No carro, o espaço é menor”, alerta.
ACIDENTES
O número de acidentes envolvendo ônibus e, consequentemente, seus passageiros sem cinto, são bem menores do que com carros, é claro, até porque a frota é infinitamente menor. Mas há muitos registros e geralmente eles deixam estrago. Nas estradas, a PRF registrou 315 acidentes em 2008, que deixaram 225 feridos e 34 mortos. Em 2009, foram 232 acidentes, com 114 feridos e 28 mortos. No sistema urbano, totalmente liberado do uso do cinto de segurança até porque transporta mais gente em pé do que sentada, o perigo também existe. Na semana passada, um coletivo perdeu o controle depois de fazer uma curva na BR-101 Norte, em Paulista, na Região Metropolitana do Recife, deixando mais de dez pessoas feridas. Muitas poderiam ter saído ilesas se usassem cinto. Números do Grande Recife Consórcio de Transporte mostram que os ônibus são, sim, vulneráveis aos acidentes de trânsito: em média, acontecem mais de dois mil acidentes por ano, que deixam dezenas de feridos. Em 2008, foram 2.375 acidentes, com 238 feridos. Em 2009, 2.179 colisões, que deixaram 270 pessoas machucadas.
SEQUELAS
Para o médico ortopedista Jáder Wanderley, da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), Regional-PE - grande defensora do cinto de segurança -, é errado permitir que passageiros andem em pé nos ônibus. Todos deveriam estar sentados, com cinto de segurança. “Nas estradas, principalmente. O certo era que nos coletivos urbanos também, mas, se não é possível, pela demanda de passageiros, que pelo menos nos veículos que trafeguem nas estradas o uso do equipamento deveria ser obrigatório. É comum as pessoas darem entrada nas urgências médicas com fraturas e contusões nos membros inferiores, especialmente tornozelo e fêmur, provocadas por acidentes em coletivos. Se o uso do cinto fosse obrigado, acredito que haveria uma sensível redução desses casos”, defendeu.
Jc online
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